terça-feira, fevereiro 26, 2008

Ivete Sangalo - Deixo (DVD Maracanã)

Eu Faria tudo pra não te perder...

O que você sabe?

O que você sabe, sobre a vida daqui a 10 anos que eu não sei?

Eu sei que daqui a dez anos vou estar com 43 anos e não vou ter um filho de 10 anos, a menos q nesse segundo eu esteja grávida, coisa que sei.. não estou.

Sei que vou lembrar do dia de hoje, achando que não foi o pior, não foi o melhor, foi apenas um dia de dúvida e de angústia. Sei que o sofrimento de hoje não terá tanta importância assim.

A Letícia terá 14 aninhos e será uma linda menina. Muito inteligente e com uma personalidade muito forte.

Amarei meus pais e meus irmãos. Estarei trabalhando, será uma segunda feira. Teremos passado por algumas Copas do Mundo, algumas olimpíadas, ainda existirão novelas, ainda calçarei 32/33.

Vai ter menos água, vai ser mais quente, teremos violência, poluição.

Estarei em que cidade? Terei filhos? Meus pais como estarão?

Eu quero estar com o Cesar, quero ter tido filhos, quero meus pais com saúde, quero minha irmã feliz, meus irmãos felizes, quero a Leticia na escola, tirando boas notas, com excelente saúde, com paz de espírito.

Quero continuar a amizade com a Cris e com a Haissa.

Ser mais serena, mais segura, quero ter um gato ou um cachorro ou ambos..rs

Quero ter tido argumentos para atingir meus objetivos, sendo justa, quero que o amor vença.

Quero estar forte e feliz.
______

Deus, me dá força para ser justa, dê-me sabedoria para compreender, aceitar, esperar, dê-me as palavras certas. Senhor, se eu tiver que chorar, que seja baixinho, para não atrapalhar aquilo que preciso ouvir.

Senhor, permita que eu ore de mão espalmadas para poder sentir tudo quanto possa (ou deva).

sábado, fevereiro 23, 2008

Resumo da Ópera

Anos 74 a 80

Até os 6 anos de idade as lembranças são muitas, sem muita cronologia na minha cabeça: lembro do apartamento no Méier e o alvoroço do primeiro dia de chuva no ano, da vizinhança que era tão presente quanto a familia, de ir a muitos aniversários, de ser a criança com mais parentes, de ter sempre gente em casa, da imagem de São Jorge na porta de casa, apesar de naquela época não entender o que um cara estava fazendo matando um bichinho e iluminado com uma luz vermelha, lembro de ir na padaria com meu pai, de brincar com meus irmãos, de ter pena deles serem castigados porque nao queriam estudar ou porque não queriam comer, lembro de ficar muito quietinha e as pessoas acharem isso ótimo.

Lembro que eu achava meus pais mais velhos do que o dos meus amigos, do meu pai estar sempre viajando, de estudar com a mamãe, de visitar os parentes em São Paulo, de ficar olhando o morro verdinho em frente ao prédio, de passar horas olhando o taco da sala ou o piso do banheiro, de ter medo da cortina de palhaços, de não gostar da Barbie, de brincar com a Glaucinha, da manada de búfulo, da dona gordona, do cosme e damião, de adorar ir para a casa da Tia Dedé, de passar a mão no cabelinho de algodão do Tio Anisio, de Achar a Rosangela a prima mais bonita do mundo e a Valéria a prima mais inteligente do planeta, de achar que pata de galinha era comida de bruxa, de ouvir 100 vezes a história da Rapunzel, de adorar os primos Marcelo e Fernando, que eram da nossa idade, de ser conhecida como india e ter que mostrar a bunda para que todos soubessem que "era tudo da mesma cor", de brincar com a mamãe contando quantas kombias víamos no trânsito..

De entrar no Jardim Escola Tia Néia e achar que lá não tinha nada para aprender, que eu não pudesse aprender sozinha ou com a minha mãe, me lembro da Aline Michele, do anão do Jardim, da Flavinha e sua voz estridente.

Eu lembro que eu sabia que a vida não era boa

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Olhando com Olhos de Poeta

Eu também já achei que era maluca, uma vez, saindo do trabalho, fiquei fascinada com uma poça d'gua. O chão em frente ao ponto de ônibus era sujo e mal cheiroso, mas a poça tinha um brilho, tinha cadência, parecia que tinha vida! Era como se fosse um oásis de beleza no meio daquele barulho, poeira, fuligem e pressa.

Perdi vários ônibus contemplando essa beleza inexplicável.

Que bom.. eram Olhos de poeta segundo o Sr. Rubem Alves.

A complicada arte de ver
Rubem Alves
colunista da Folha de S.Paulo

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso _porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver_ eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Rubem Alves, 71, educador, escritor. Livros novos para crianças e adultos-crianças: "Os Três Reis" (Loyola) e "Caindo na Real: Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o Tempo Atual" (Papirus).
Site: www.rubemalves.com.br